Bandeirantes, Nativos, e a escravidão indígena
Uma pagina da historia brasileira
Os primeiros colonos europeus que desembarcaram na costa do Brasil em abril de 1500 viram não apenas altas montanhas arredondadas, mas quase imediatamente, pessoas “escuras e inteiramente nuas, sem nada para cobrir suas partes íntimas e portando arcos e flechas nas mãos. Eram tribos do grupo linguístico Tupi-Guarani, que ocupavam a maior parte do Cone Sul da América do Sul.
Os Tupi viviam em comunidades pequenas e móveis, forçadas a se deslocar com frequência pelo solo fraco que não podia durar muito sob sua forma de agricultura de derrubada e queimada. Os observadores europeus ficaram imediatamente impressionados com suas habilidades de caça: “Eles praticam com essas armas (arcos e flechas) desde muito jovens e são grandes arqueiros, tão precisos que nenhum pássaro escapa deles, por menor que seja”, escreveu um cronista.
Conquistadores Canibais
Quando os primeiros europeus chegaram, os Tupi ja estavam em processo de conquista do litoral brasileiro. Diferentes tribos frequentemente lutavam entre si por território ou vingança, e os representantes de diferentes nações européias se viam aliando-se a uma tribo ou outra contra outras tribos e outros europeus. Hans Staden, autor de um dos mais famosos relatos da vida dos Tupi, observou a guerra deles e as complicadas alianças entre indígenas e europeus durante o tempo em que esteve cativo entre os Tupinambás.
Agora havia um jovem do seu povo que fora escravo entre os portugueses. Os selvagens entre os quais vivem os portugueses [os Tupiniquins] viajaram para a terra dos "Tuppin Imba" para guerrear contra eles e capturaram uma aldeia inteira e comeram seus velhos. Eles haviam trocado vários dos jovens em troca de mercadorias. Assim, este jovem rapaz também foi trocado com os portugueses, e ficou nas proximidades de Brikioka com seu mestre, um galego chamado Antonio Agudin.
Aqueles que me capturaram, capturaram esse escravo cerca de três meses antes de mim. Agora, uma vez que ele pertencia à linhagem deles, eles não o mataram. Esse escravo me conhecia bem e perguntaram a ele que tipo de homem eu era. Ele disse que era verdade que um navio desembarcou, e que eles chamaram aqueles que escaparam [vivos do naufrágio], de Castelhanos. Eram amigos dos portugueses. Eu estivera entre eles, mas ele não sabia mais nada sobre mim. (Staden 59).
A Verdadeira História de Staden foi amplamente lida em toda a Europa, em parte devido aos seus relatos impressionantes de canibalismo entre os nativos brasileiros. De acordo com Staden, o canibalismo era uma forma de vingança perpetrada por uma tribo sobre os cativos de outra. Este trecho, que segue descrições de muitos dos rituais realizados antes de matar um cativo, contém a tradicional troca entre assassino e vítima que completava o rito sangrento.

Esta é uma grande honra entre eles. Então aquele que vai matá-lo pega de volta o taco e diz [ao cativo]: Bem, aqui estou eu. Eu vou matar você, já que seus amigos também mataram e comeram muitos dos meus amigos. Ele responde: Quando eu estiver morto, ainda terei muitos amigos, que certamente vão me vingar. O carrasco então o golpeia na parte de trás de sua cabeça e arrancam seus miolos. As mulheres imediatamente o agarram e o colocam no fogo, onde raspam toda a sua pele, deixando-o todo esbranquiçado? (Staden 132-7).

O primeiro contato entre colonos e nativos brasileiros envolveu a troca de recursos e alianças militares, muitas vezes facilitadas por mamelucos, pessoas mestiças de nativos e de origem europeia que muitas vezes falavam vários idiomas e serviam como tradutores.
Essas interações logo se transformaram em um sistema mais organizado de exportação de recursos e em seguida, em uma indústria local baseada no trabalho involuntário dos nativos. As aldeias missionárias estabelecidas pelos jesuítas dependiam do trabalho escravo das próprias pessoas que os padres estavam tentando converter.
Enquanto a escravidão africana cresceu de forma constante a partir de meados do século 16 no Brasil, a escravidão indígena permaneceu uma fonte de mão de obra ao longo do século 17 e ainda mais tarde em regiões mais remotas, como a bacia amazônica. Apesar da vulnerabilidade das populações indígenas às doenças europeias, esses escravos eram mais baratos que os africanos.
Homens e Mulheres Nativos


A primeira imagem é um retrato do artista francês Jean-Baptiste Debret de um chefe nativo, a segunda uma mulher da mesma tribo.
Bandeiras e Bandeirantes
Um dos muitos mitos profundamente enraizados na cultura brasileira é o do Bandeirante, um aventureiro e explorador nativo de São Paulo que partiu para o desconhecido em busca de minerais preciosos e escravos indígenas. No imaginário popular moderno, esses "heróis" são frequentemente descritos como europeus brancos, mas, na realidade, eles eram muitas vezes de origem racial mista. Nesta litografia de Jean Baptiste Debret, os povos indígenas que foram “civilizados” pelas forças europeias auxiliam na captura e transporte de nativos em direção a áreas povoadas onde certamente se tornarão escravos. Muitas bandeiras (nome dado às expedições dos bandeirantes para o oeste) incluíam nativos brasileiros que viam as missões de caça aos escravos como menos degradantes do que o trabalho agrícola. De fato, uma bandeira de 1629 incluía 69 brancos, 900 mamelucos e 2.000 nativos brasileiros.

Uma legenda que acompanha uma impressão desta imagem diz que os soldados de "olhos mortos" seguiram os rios para encontrar suas próximas vítimas. Depois de encontrar uma aldeia habitada, eles teriam matado todos os homens e mulheres nativos que se levantavam contra a investida e levado os homens, mulheres e crianças restantes como prisioneiros. Na época da publicação da litografia, em 1834, acreditava-se que a escravidão indígena tenha terminado, mas hoje sabe-se que persistiu em algumas regiões, sobrepondo-se à era da escravidão africana.
Os homens de diversas origens que participaram das bandeiras tinham o direito de colher alguns dos despojos, ou seja, recebiam escravos índios como pagamento por seus esforços. No final dos anos 1700, no entanto, as bandeiras passaram a se concentrar na aquisição de terras em vez de capturar escravos. Os índios do tempo de Debret, que ainda tinham suas terras originais, eram considerados resistentes e rebeldes demais para o trabalho escravo produtivo.

A mistura de raças relacionada à escravidão também pode ser vista em “Capture of a Runaway Slave”, (gravura acima) de 1836 de Alcide Dessalines d’Orbigny. Nesta foto, um “capitão do mato” (provavelmente um bandeirante) de pele escura escolta um escravo recapturado de volta ao seu mestre. O prisioneiro e o bandeirante parecem bastante semelhantes, mas é claro que seus papéis na vida brasileira não poderiam ser mais diferentes. Sem as pistas visuais de seus trajes e meios de transporte, seria fácil confundir as identidades dos dois homens.
O enorme tamanho do Brasil deixou muitos brasileiros coloniais com a imensa tarefa de explorar o interior. Muitos exploradores portugueses foram enviados para o interior do país para aprender sobre seu novo habitat, mas também para reunir muitos dos nativos que vivem lá e forçá-los a trabalhar. Muitos desses exploradores, ou bandeirantes, como são frequentemente chamados, conheceram mulheres nativas e tiveram filhos com elas, conhecidos como mamelucos, ou filhos mestiços. Essa inter-relação parece ser apenas o primeiro dos muitos desafios que os brasileiros enfrentaram em seus esforços para definir e estabelecer sua identidade racial e étnica.
Leitura Adicional
A Verdadeira História, de Hans Staden, traz um relato completo da viagem colonial do marinheiro alemão e seu tempo entre os Tupi, além de descrições do cotidiano dos índios. Suas observações são claramente filtradas pelas lentes de suas sensibilidades europeias.
Referências
Staden, Hans. Hans Staden’s True History: An Account of Cannibal Captivity in Brazil. Trans. by Neil Whitehead and Michael Harbsmeier. Durham and London: Duke University Press, 2008.
University of Virginia Digital Media Lab. Exploring Cultural Landscapes. http://hitchcock.itc.virginia.edu/.
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